Os seres humanos são especialistas em fazer planos, mas não os cumprir. É relativamente fácil planejar, marcar datas na agenda ou smartphone, mas mesmo assim, deixar alguns prazos passarem de forma imprudente, o que pode prejudicar nosso sucesso pessoal e profissional. Ao ato de enrolar para iniciar uma tarefa importante, damos o nome de procrastinar. Nesse artigo, vamos falar de Como vencer a procrastinação e cumprir os planos que fazemos.
Acrasia: a procrastinação foi identificada na Grécia Antiga
Os seres humanos sofrem com a procrastinação há séculos. Mesmo artistas prolíficos, verdadeiros gênios, como veremos a seguir, não eram imunes às distrações da vida cotidiana, ou outras situações, que os impediam de iniciar tarefas importantes. O problema é tão presente na natureza humana filósofos gregos como Sócrates e Aristóteles o identificaram e desenvolveram uma palavra para descrever esse tipo de comportamento: Akrasia.
Akrasia , usando a grafia em grego, é e como esses filósofos definiram o estado de agir contra o seu melhor julgamento. É quando você faz uma coisa mesmo sabendo que deveria fazer outra. Traduzido livremente, você poderia dizer que akrasia é procrastinação ou falta de autocontrole. Akrasia é o que o impede de seguir seus planos e fazer o que se propôs a fazer.
Vitor Hugo, um gênio procrastinador
Você deve tomar atitudes para vencer a procrastinação, lutar contra ela. Mas não ajuda ficar se culpando por procrastinar, porque até os gênios, as pessoas extremamente competentes no que faziam, passaram por esse problema. O escritor francês Vitor Hugo (1802-1885), autor de Os Miseráveis e O Corcunda de Notre Dame, foi um deles.
No verão de 1830, Vitor Hugo estava atormentado por um prazo impossível. Um ano antes, havia feito um acordo com sua editora para escrever um novo livro, que já tinha até título: O Corcunda de Notre Dame! Mas, em vez de escrever, Hugo passou o ano desenvolvendo outros projetos, entretendo convidados e passeando, consequentemente, atrasando o trabalho no texto.
Frustrado com a procrastinação do escritor, seu editor respondeu estabelecendo um prazo muito mais apertado, exigindo que Hugo terminasse o livro até fevereiro de 1831, menos de seis meses antes do prazo original.
Para vencer a procrastinação, Vitor Hugo desenvolveu uma estratégia: recolheu todas as suas roupas, removeu-as de seus aposentos e trancou-as, ficando sem nada para vestir, exceto um grande xale. Sem roupas adequadas para sair ao ar livre, Hugo não se sentia mais tentado a sair de casa e se distrair em passeios e conversas. Ficar dentro de casa e escrever era sua única opção.
A estratégia funcionou. Hugo permaneceu em seu escritório todos os dias e escreveu furiosamente durante o outono e o inverno de 1830. O Corcunda de Notre Dame foi publicado duas semanas antes, em 14 de janeiro de 1831. E como todos sabem, não somente foi um sucesso, como o é até hoje, sendo editado quase 200 anos depois, e inspirando filmes e animações para o cinema e a TV.
Por que procrastinamos?
Por que procrastinamos? Por que Victor Hugo se comprometeria a escrever um livro e adiaria o início do trabalho por mais de um ano, ficando submetido a um prazo apertado e tendo de recorrer a um home office radical para compensar o tempo perdido? Por que fazemos planos, estabelecemos prazos e nos comprometemos com metas, mas depois deixamos de cumpri-las?
A razão é que nossos cérebros simplesmente preferem recompensas instantâneas a recompensas de longo prazo. Dada essa tendência, muitas vezes temos que recorrer a estratégias malucas, como essa de Vitor Hugo, para fazer as coisas.
Por que fazemos planos, mas não agimos?
Uma explicação de por que a acrasia governa nossas vidas e a procrastinação nos atrai tem a ver com um termo de economia comportamental chamado “inconsistência de tempo”, que explica a tendência do cérebro humano de valorizar recompensas imediatas mais do que recompensas futuras.
Quando fazemos planos para nós mesmos, como iniciar uma dieta e começar a praticar esportes para perder peso, escrever um livro ou aprender um novo idioma, estamos fazendo planos para o nosso eu futuro. Imaginamos como desejamos que nossas vidaa sejam no futuro. E, quando pensamos no futuro, é fácil para nosso cérebro entender o valor de tomar ações com benefícios a longo prazo.
Entretanto, quando chega a hora de passar dos planos para a ação, não estamos mais fazendo uma escolha para nosso eu futuro. Estamos no momento presente, e nosso cérebro está pensando no eu presente, não no futuro!
Para vencer a procrastinação, precisamos entender como funciona o nosso cérebro!
Para vencer a procrastinação, precisamos entender como funciona o cérebro humano! E os pesquisadores já descobriram que o que o domina é o eu presente , que gosta mesmo é de gratificação instantânea, não de recompensas de longo prazo. Esta é uma das razões pelas quais você podemos ir para a cama nos sentindo motivados a fazer uma mudança de vida, mas quando acordamos, nos percebemos caindo em velhos padrões.
Nosso cérebro funciona valorizando os benefícios de longo prazo quando imaginamos o futuro e “viajamos mentalmente” para lá, mas quando volta para o agora, prefere a gratificação imediata do momento presente. Então, para vencer a procrastinação, precisamos entender esse mecanismo. E desenvolver estratégias para lidar com ele!
Gratificação imediata x gratificação futura
Ter a capacidade de adiar a gratificação imediata em prol da gratificação futura é um grande indicador de sucesso pessoal e profissional. Entender como resistir à atração da gratificação instantânea, pelo menos ocasionalmente, se não de forma consistente pode ajudar a diminuir a lacuna entre onde estamos e onde desejamos estar, e é a base, por exemplo, da educação financeira, que ensina como lidarmos com o nosso dinheiro.
3 estratégias para vencer a procrastinação
Sabendo que a akrasia que Sócrates e Aristóteles identificaram milênios atrás é uma tendência natural do nosso cérebro não significa que temos de nos conformar com ela, pois podemos combatê-la e dominá-la. Vamos falar então dos antídotos para a akrasia, as estratégias para vencer a procrastinação e seguir em frente com o que nos propomos a fazer.
Estratégia 1: Projetar ações futuras através de dispositivos de compromisso
Quando Victor Hugo trancou suas roupas para poder se concentrar na escrita, ele estava criando o que os psicólogos chamam de dispositivo de compromisso, para projetar suas ações futuras. Dispositivos de comprometimento são estratégias que ajudam a melhorar nosso comportamento aumentando os obstáculos ou custos de maus comportamentos ou reduzindo o esforço necessário para bons comportamentos.
Por exemplo, se precisamos regular os hábitos alimentares, é melhor comprar alimentos em embalagens individuais, em vez de em grandes quantidades. Se perdemos tempo demais em redes sociais, podemos excluir os aplicativos de nossos celulares. Se estamos em home office e não conseguimos nos concentrar em um ambiente onde estão nossa TV, sofá, cama, livros, etc, podemos procurar um coworking perto da nossa casa.
As circunstâncias e os fatores que nos induzem a procrastinar diferem de pessoa para pessoas, mas a mensagem, no que se refere a vencer a procrastinação é a mesma: Identificar os fatores que são obstáculos ao nosso rendimento e usar os os dispositivos de compromisso para lidar com eles, arquitetando, planejando nossas ações futuras.
É sempre melhor automatizar previamente nosso comportamento, para sermos arquitetos de nossas ações futuras, e não suas vítimas. E termos consciência de que não podemos confiar somente na força de vontade e no poder de concentração, porque eles podem variar de momento a momento, e podem, inclusive, falhar. Nós somos ótimos em inventar desculpas para nós mesmos!
Estratégia 2: Reduza as dificuldades de começar
A culpa e a frustração de procrastinar geralmente são piores do que a dor de fazer o trabalho. Nas palavras de Eliezer Yudkowsky, “De momento a momento, estar no meio da execução do trabalho geralmente é menos doloroso do que estar no meio da procrastinação”.
Então, por que ainda procrastinamos? Porque o difícil não é fazer, é começar!
A inércia, o atrito que nos impede de agir geralmente está centrado em iniciar o comportamento. Depois de começar, geralmente é menos difícil fazer o trabalho. É por isso que muitas vezes é mais importante criar o hábito de começar quando estamos iniciando um novo comportamento, do que nos preocuparmos de seremos ou não bem-sucedidos com o novo hábito.
Se temos hábitos que dificultam vencer a procrastinação, precisamos identifricar quais são, e reduzir esses hábitos constantemente.
Estratégia 3: Utilizar Intenções de Implementação
Intenções de implementação são declarações de nossa intenção de implementar um determinado comportamento em um momento específico no futuro. Por exemplo, “Vou me exercitar por pelo menos 30 minutos em tal dia, lugar e hora.
Existem centenas de estudos bem-sucedidos mostrando como as intenções de implementação, especialmente se colocadas por escrito, ou feitas publicamente, afetam positivamente tudo, desde hábitos de exercícios até o de frequentar consultas médicas e realizar exames de rotina.
Lutando contra a akrasia para vencer a procrastinação
Nosso cérebro prefere recompensas instantâneas a recompensas de longo prazo. É simplesmente uma consequência de como nossas mentes funcionam. Conhecendo esse mecanismo, podemos vencer a procrastinação e outros maus hábitos que prejudicam nossa vida pessoal e profissional.
Dada essa tendência, muitas vezes temos que recorrer a estratégias malucas para fazer as coisas – como Victor Hugo trancando todas as suas roupas para poder escrever um livro. Mas acredito que vale a pena gastar tempo construindo esses dispositivos de compromisso se seus objetivos forem importantes para você.
Aristóteles cunhou o termo enkrateia como o antônimo de akrasia. Enquanto akrasia se refere à nossa tendência de ser vítima da procrastinação, enkrateia significa estar “no poder sobre si mesmo”. Projetar suas ações futuras, reduzir o atrito de iniciar bons comportamentos e usar as intenções de implementação são etapas simples que podemos seguir para tornar mais fácil viver uma vida de enkrateia em vez de akrasia.